Os lingüistas costumam dizer que um texto é reinventado toda vez que é lido. Cada leitor recria-o a partir de suas experiências, crenças e valores. Isso não quer dizer que o texto seja “matéria” dotada de qualquer possibilidade ou que qualquer interpretação seja correta. O conjunto de proposições básicas está dado, e não é possível dizer que o autor escreveu “c” quando na verdade escreveu “b”, as possibilidades restringem-se às múltiplas interpretações de “b”.
Recentemente, escrevemos um texto neste blog, que continha três proposições básicas:
O feminismo lutou pelo aumento do conjunto de oportunidades (modos como podem conduzir suas vidas) das mulheres;
A autora de um livro recentemente publicado considera que só há um modo certo de todas as mulheres levarem suas vidas;
Logo, a autora não é feminista.
Em seguida, opinávamos em prol da possibilidade de que cada um viva a vida que deseje viver.
A leitura do texto permite considerar qualquer proposição como falsa, discordar de nossa opinião ou estabelecer novas construções a partir do que escrevemos. No entanto, dos dois comentários que recebemos, um não se referia a nenhuma das proposições, tampouco avaliava ou se referia à nossa opinião. O outro chegava a conclusões totalmente diferente da que chegariámos, razão pela qual também vale ser lembrado.
O primeiro comentarista iniciou seu texto com algo do tipo “tenho horror a textos que falam “Nós, mulheres”. Pode-se ter horror de várias coisas. Eu, quando tenho horror de algo, procuro afastar-me dele ou não gozar de sua experiência. O autor do comentário, diferentemente, não parece ter evitado a experiência desagradável (a psicanálise compreende bem os casos em que o sujeito prefere sujeitar-se a experiências que lhe causam mal-estar), mas, tampouco, foi capaz de gozá-la, ou seja, de livrar-se de seus preconceitos e permitir-se a abertura necessária para a leitura de qualquer texto. Se assim tivesse feito, compreenderia que não se pretendeu estabelecer nenhuma diferença entre os sexos, muito menos hierarquias. Comentava-se um livro.
Ademais, ainda que tivéssemos pretendido ressaltar as diferenças entre os sexos, que mal haveria? É sabido que homens e mulheres têm diferentes habilidades. Os primeiros têm mais força física, maior facilidade com raiocínio espacial. As mulheres, diferentemente, costumam se destacar em habilidades ligadas à linguagem. Isso não torna uns melhores nem piores do que os outros, apenas diferentes (aos que lêem tudo resabiadamente, lembro que nossa proposição neste parágrafo é semelhante à dita por um reitor de uma famosa universidade norte-americana. O reitor também foi mal compreendido e obrigado a deixar o cargo). Assim, mesmo que tivéssemos pretendido marcar diferenças entre os sexos, isso não parece ser motivo suficiente para tornar o texto, a priori, um capítulo da luta dos sexos.
Passo ao segundo comentário.
Neste era afirmado que os homens haviam vencido. Essa é uma conclusão possível a partir do texto. O comentarista baseou-se no nosso relato de que a autora do livro afirmou que o único caminho correto para as mulheres é o tradicionalmente seguido pelos homens. No entanto, ainda que possível, discordamos da proposição. Explicamos por quê. Acreditamos que as relações entre os sexos não são um jogo de soma zero (quando um ganha, o outro perde), mas complementares, de modo que, quando um ganha, o outro também tende a ganhar. Quando o conjunto de oportunidades das mulheres aumenta (serei dona de casa, alta executiva ou um meio termo?), o dos homens também tende a aumentar (Temos colegas, por exemplo, que tiveram a oportunidade de dedicarem-se integralmente a um curso de pós-graduação porque contavam com parceiras que toparam sustentar a casa sozinha enquanto eles faziam o que queriam). Evidentemente, surgem novas dificuldades e inseguranças. Tendo a mulher autonomia financeira, pode desvincular-se de relacionamentos mais facilmente, etc. Acreditamos, contudo, que o mal-estar (ou desafio) surgido com essas mudanças não supera os ganhos.
3 comentários:
Com todo respeito àquelas que abrem mão de qualquer outra atividade que não ser dona de casa (seja vida acadêmica ou profissional), sou um extremado defensor do amplo "conjunto de oportunidades" às mulheres, citado no texto.
Enriquece qualquer relação a mulher ter vida e interesses próprios, conciliados aos do casamento, assim como costumeiramente têm os homens.
Poderia tecer alguns comentários sobre o texto, mas vou abrir mão disso para ressaltar a BELA diferença entre nós e ELAS.
A riqueza de conteúdo do texto, vem emoldurada pela maravilhosa sensibilidade que só as mulheres tem. E só elas tem a capacidade em demonstrar sem parecer piegas......
tudo isso é muito bonito na teoria, mas na prática é difícil pra chuchu...
Eu concordo com cada linha escrita e gostaria de `tê-las escrito.
Todavia, acho que o "medo" persistente que nos acompanha em cada segundo de nossas existências dificulta a racionalização nos embates cotidianos.
Postar um comentário