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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Folha, 09/02/2009.

“Metamorfose”. A de Pondé.
Ao ser indagado se não tinha esperanças, Kafka disse, "esperanças há muitas, mas não para nós". Janouch narra um dia em que ele, com 20 anos, disse a Kafka, então com 40, "hoje não estou entendendo nada do que você diz". Kafka respondeu "deve ser a misericórdia de Deus, porque sendo você jovem, e estando eu hoje pessimista, se você me entendesse, você ficaria mal". Confessa: "o pessimismo é meu pecado".Por que os clássicos são tão pessimistas? Seria o trágico uma moda? Três mil anos de moda? Improvável. Na sua coluna de 21 de janeiro, meu colega ilustrado (velha piada entre nós) Marcelo Coelho critica "meu" pessimismo. Colunistas que "matam a esperança" são supérfluos. O bom jornalismo opinativo é pautado pelo conflito de idéias, por isso, agradeço suas críticas. Ele acha que ao duvidar do Iluminismo reforço forças regressivas na experiência humana. Eu penso que o Iluminismo é que é regressivo porque caminha sobre fantasias enquanto os homens caminham sobre tumbas. Nós modernos somos a raça mais covarde que caminhou sobre a Terra. Não escrevo para tornar a vida do meu leitor melhor. Escrevo e leio para não me sentir só. Quando olho os "avanços" da nossa minúscula história, penso: como nos verão em mil anos? Como a decadência do século 17? Rirão de nós porque demos direitos aos ratos, enquanto fizemos dos bebês lixo reciclável pelo direito de gozar mais? Respondo a pergunta "o que eu acho da Revolução Francesa?" com "ainda é cedo pra dizer qualquer coisa".
Imaginem dois africanos no século 19. Um vende o outro como escravo (negros vendiam negros). O escravo é levado para os Estados Unidos e lá sofre todo tipo de horror da escravidão. O outro fica livre e feliz na África. Adiantem o filme. O bisneto do escravo mora nos EUA, casa na praia, filhos na faculdade, e a esposa, bisneta de outro escravo, médica de sucesso. Voltem pra África. Muitos bisnetos do que ficou lá continuam a viver em seus buracos, matando-se do mesmo jeito (como acabou a escravidão, perderam a chance de vender seus "irmãos"). Famílias afundam na miséria. Qual é a moral desta história? Que a escravidão foi uma bênção para os afro-americanos porque os levou para os EUA? E a liberdade do outro, a maldição de seus bisnetos? Os afro-americanos, que hoje celebram a vitória do Obama, depois de muito sofrimento, diriam "ainda bem que nossos bisavós foram escravos"? Não! A escravidão é um horror.
A questão é outra: qual o sentido da história humana? Nenhum. A história não é a luta entre a luz e as trevas. Não porque elas não existam, mas porque não sabemos identificar, com o microscópio das idéias claras e distintas de que dispomos, a trama infinita de suas relações. Um homem faz o que pode em meio a opacidade do mundo. Meu pecado é não fazer o marketing da democracia de massa. Falsos sentimentos são comuns nos homens, logo, quanto mais homens, maior a chance de mentira, por isso desconfio de bons sentimentos em grandes quantidades.
Mais? Os índios não vivem em comunhão com a natureza, apenas ficaram na idade da pedra em técnicas de domínio da natureza, como muitos africanos que ficaram na África. A ciência e a política tampouco fazem os homens melhores. O mundo não é dividido entre elite má e pobre bom. Se a elite é cruel, o povo é violento e interesseiro. Os homens não são iguais, alguns são melhores. A igualdade ama o medíocre. É mentira que todo mundo possa julgar as coisas por si só. A propaganda desta mentira gera uma horda de invejosos que sonham em destruir quem eles julgam livres. Supérfluo? Mentira. Num mundo parasitado pelo marketing como forma de vida, ser pessimista é um método. Não se trata de dizer morbidamente "o mundo é mau", mas reconhecer que no humano a verdade é uma ferida incurável. A esperança que conta é a do animal ferido.Nada disso implica concordar com crianças mortas. O debate ao redor da esperança não é um problema do quão otimista somos, mas o que em nós nos faria colaborar com nazistas na França ocupada, além do medo. Manter o emprego? A chance de destruir alguém melhor do que eu? Tomar a mulher de alguém? Promoção pessoal? Nada mais banal, nada mais humano. Na "Metamorfose", Gregor Samsa, agora uma barata, vê a delícia que é caminhar de cabeça pra baixo com suas perninhas coladas ao teto. Sente-se finalmente feliz. A barata é a otimista em Kafka.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Folha,hoje.

Contribuição para a verdade no caso Battisti


ARMANDO SPATARO, 60, é procurador da República em Milão (Itália), coordenador do Departamento contra o Terrorismo


É oportuno partir dos fatos para desmontar os argumentos que são frequentemente utilizados por Battisti e seus "amigos"


INTEGREI O Ministério Público italiano, no âmbito do qual, ao lado de outros magistrados, conduzi as investigações que levaram às condenações contra Cesare Battisti. Portanto, em relação à decisão do ministro Tarso Genro, espero poder oferecer à opinião pública brasileira uma contribuição para a verdade, com a finalidade de preencher as lacunas de informação sobre as quais aquela decisão encontra-se fundamentada.


Com efeito, é difícil para os italianos entender como a um assassino puro como ele pode ter sido reconhecido o refúgio. É oportuno partir dos fatos para desmontar os argumentos frequentemente utilizados por Battisti e seus "amigos".

1) Battisti não é um extremista perseguido na Itália por seus ideais políticos, e sim um criminoso comum que praticava roubos com o fim de lucro pessoal e que se politizou na prisão.Em seguida, filiou-se a uma organização terrorista que praticou lesões corporais e homicídios. Battisti foi preso em junho de 1979 com outros cúmplices em uma base terrorista de Milão, onde foram apreendidos metralhadoras, revólveres, fuzis e documentos falsos. Com certeza, portanto, não se tratava de dissidente político!

2) Battisti foi condenado à prisão perpétua por muitos graves crimes, entre os quais também quatro homicídios: em dois destes (homicídio do marechal Santoro, praticado em Udine em 6/6/78; homicídio do policial Campagna, praticado em Milão em 19/4/79), foi ele a atirar materialmente nas vítimas; em outro homicídio (o de L. Sabbadin, um açougueiro morto em Mestre, em 16/2/79), deu cobertura aos assassinos, e, no quarto (o homicídio de P. Torregiani, acontecido em Milão, em 16/2/79), colaborou na sua organização.Gostaria de perguntar ao ministro brasileiro quais motivações políticas enxerga nos homicídios de um joalheiro e de um açougueiro, "justiçados" por vingança (por terem reagido com as armas aos assaltos sofridos) ou nos homicídios de policiais que cumpriam seu dever.

3) Não é verdade que Battisti foi condenado somente com base nas acusações do delator premiado Pietro Mutti; tampouco é verdade que este não fosse confiável. Afirmar isso significa ofender a seriedade da Justiça italiana. As confissões de Pietro Mutti, com efeito, foram confirmadas por inúmeros outros testemunhos e pelas sucessivas colaborações de outros ex-terroristas.A verdade, portanto, está escrita nas sentenças, que pesam como pedras enormes e que se encontram à disposição de todos os que tenham a paciência de as ler.

4) Não é verdade que a Battisti foi negada a possibilidade de se defender nos processos em que estava ausente. Na verdade, foi Battisti quem se furtou à Justiça, evadindo-se em 1981 da carceragem em que estava preso.Não por acaso a Corte Europeia de Direitos Humanos de Estrasburgo (França) negou provimento ao recurso de Battisti contra a concessão de sua extradição por parte da França, julgando-o, por essa razão, "manifestamente sem fundamento" e afirmando que, de qualquer forma, em todos os processos ele foi assistido por seus advogados de confiança. Será que também a corte de Estrasburgo está perseguindo Battisti?

5) É falso que a Itália e seu Judiciário não foram capazes de garantir a tutela dos direitos das pessoas acusadas de terrorismo durante os denominados "anos de chumbo". Trata-se de uma afirmação que nos fere.Inúmeros foram os magistrados, os advogados, os homens das instituições, os policiais assassinados de maneira vil por pessoas como Battisti pelo simples fato de aplicarem a lei. A Itália, no contexto da luta contra o terrorismo, não conheceu tribunais de exceção ou militares nem desvios antidemocráticos. Tal fato foi ressaltado também por nosso presidente da República Sandro Pertini, que afirmou que a Itália podia louvar-se de ter vencido o terrorismo nas salas dos tribunais, e não "nos estádios", aludindo aos métodos ilegais que nós não conhecemos e aos quais também hoje nos opomos.


Acredito que o refúgio não foi concebido pelos fundadores de nossas democracias para garantir a impunidade de pessoas como Battisti, um dos assassinos mais cruéis e frios que o terrorismo italiano conheceu e que nunca se dissociou do uso das armas.Espero, com todo o respeito, portanto, que as autoridades brasileiras competentes tenham a possibilidade de rever suas próprias decisões. Não pelo fato de a justiça ser equivalente à vingança, mas pelo fato de ela representar o lugar da afirmação das regras do Estado de Direito: e quem as violar, ainda mais se matar o próximo, deve pagar. Do contrário, as democracias desmentem a si mesmas.