Nos últimos dias temos visto uma série de toscos cartazes, espalhados pela cidade, informando que, teoricamente, no dia 11 de abril a lendária banda "The Doors" irá se apresentar em Brasília.
Infelizmente esta informação está longe de ser verdadeira e pode levar alguns consumidores incautos a erro.
Na verdade, a banda The Doors encerrou suas atividades em 1973, após os integrantes Ray Manzarek (teclados), Robbie Krieger (guitarra) e John Densmore (bateria) descobrirem o óbvio ululante, ou seja, que não era possível prosseguir dignamente sem a presença do lendário vocalista-xamã Jim Morrisson, falecido em Julho de 1971.
Aliás, as tentativas de sobreviver sem Morrisson resultaram em dois retumbantes fracassos discográficos - os constrangedores "Other Voices", de 71 e "Full Circle", lançado no ano seguinte, cultuados somente pelos chamados "fãs completistas", ou seja, aqueles que compram discos de entrevistas, dvd's de 20 minutos de duração ao custo de oitenta reais, coletâneas repetidas, versões de músicas cantadas no chuveiro (o que eu chamo de "shower sessions"), e coisas do gênero.
Mas é lógico que na falta de novos grupos à altura, já faz tempo que a turma dos anos 60 e 70 se esbalda em turnês de eterno retorno, muitas vezes com bons resultados, outras vezes nem tanto.
Foi o que aconteceu com o próprio The Doors, quando o trio remanescente, devidamente rebatizado de "The Doors of the 21st Century", reuniu-se em 2004, tendo como vocalista talvez o cara mais indicado para emular o velho Jim (excetuando-se é claro o Val Kilmer), simplesmente o ex-vocalista do The Cult, Ian Astbury, que é até fisicamente meio parecido com o finado Morrisson, além de ter uma excelente voz.
Mas desta vez o buraco é mais embaixo. Temos apenas um duo remanescente, formado por Manzarek e Krieger, acompanhados por Brett Scallions (ex-The Fuel) nos vocais, o baterista Ty Dennis (que já havia substituído um adoentado Densmore nos "Doors of the 21st. Century") e o veterano baixista de estúdio Phil Chen, cujas credenciais incluem trabalhos com Jeff Beck, Joan Armatrading, Rod Stewart, Eurythmics e muitos outros.
Além disso, o duo e seus asseclas sequer têm autorização para usar o nome "The Doors". Na verdade uma ação movida por Densmore e pela família de Morrisson, fez com que o quinteto adotasse a alcunha de "Riders on The Storm", talvez não por acaso a última música do último disco gravado por Jim, o clássico 'L.A. Woman", de 1971.
De forma alguma pode ser discutido o direito que o quase septuagenário Ray Manzarek tem de continuar tocando pelo mundo, se divertindo e mostrando o inesquecível repertório composto pelo grupo no final dos anos 60. Não se discute que a apresentação deve ser interessante, que os músicos são competentes e que, pelo menos, dois membros da formação original estarão lá, defendendo um set recheado de verdadeiros clássicos do rock para um público que, majoritariamente, não era nascido quando Jim foi sepultado no Pére Lachaise, em Paris.
O que eu quero deixar claro é que acho absurdo a propaganda enganosa que está sendo feita. Acho também que o preço dos ingressos para ver esta banda cover de luxo está muito alto - R$ 80 (arquibancada), R$ 140 (cadeiras), R$ 180 (palco VIP). Também não sei se o Ginásio Nilson Nelson seria o melhor lugar para este show, por conta de sua acústica de qualidade duvidosa.
Por fim, assim como o Creedence Clearwater Revisited não é o velho Creedence, o Bjorn Again não é o ABBA e as dezenas de "The Platters" que se apresentam ao mesmo tempo pelo mundo todo não podem soar como os originais; também o que Brasília assistirá não pode se comparar ao que seria uma apresentação dos The Doors.
Aliás esse precedente dos Platters é assustador. A banda virou uma franquia. Ainda nos dias de hoje, apesar de quase todos os integrantes originais dos Platters já terem falecido (resta apenas o bass singer Herb Reed, 76 anos e em atividade) existem dezenas de grupos "oficiais" embalando festinhas de anos 50 mundo afora.
Lembro-me também que havia dois grupos chamados "Temptations" nos anos 80, e ambos com integrantes originais do quinteto de doo-woop.
Já imaginaram se amanhã ou depois grupos como "Ramones" ou "Carpenters" resolvem voltar?
Como assim ? Quem assumiria os vocais da Karen ? A Björk ?
Em que ano estamos ?
3 comentários:
O japonês da esquerda chama-se Jim Morrisson mesmo. O japonês da direita é que se chama "Jim Morrison", estando com a banda desde a sua fundação. Mas afinal, é tudo japonês e a gente acaba se confundindo.
Muito bom o texto, Fetter.
Tem banda que pode trocar integrantes e continuar na ativa sem grandes problemas. Mas com outras isso não funciona. O caso do "The Doors" é o extremo, já que nem bom-senso e nem a lei foram respeitados nessa enganação ao público.
Doors sem Jim Morrisson em um show é impensável. Como também seria impensável a Legião Urbana sem Renato Russo ou o Queen sem Fredie Mercury. Ops...o Queen fez show sem o Mercury! Shame on you, Brian May!
É verdade companheiro filipe. O Queen já está de namoro (ops!) a algum tempo com o grande Paul Rodgers, ex-Free e ex-Bad Company. O cara é um estupendo cantor, mas seu estilo pouco tem a ver com as múltiplas possibilidades vocais do saudoso Frederick Bulsara - especialmente o trinômio rock-opera-vaudeville
Postar um comentário