Não preciso dizer que assino embaixo...
Lula ultrapassou, ontem, no Recife, todos os limites da irresponsabilidade durante cerimônia de assinatura de ordem de serviço para a construção de obras financiadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento.
Ao elogiar o ex-presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti (PP), sugeriu que ele perdeu o cargo e foi obrigado a renunciar ao mandato por pressão das "elites paulistas e paranaenses".
De fato, Severino renunciou ao cargo e ao mandato porque se provou que fora subornado por Sebastião Buani, concessionário de um dos restaurantes da Câmara.
De Buani, Severino recebeu cheques mensais para permitir que o restaurante dele seguisse funcionando. Rastreou-se um cheque de R$ 10 mil que foi parar na conta de Severino.
- Eu continuo tendo o mesmo respeito, hoje, que eu tinha por você há muito tempo porque a relação humana não é feita apenas do momento - disse Lula. “A relação humana é feita de forma mais sadia.”
Antes, havia dito, apontando na direção do seu correligionário:
- Estou vendo ali um homem que foi presidente da Câmara. Ele foi eleito porque nossa oposição queria derrotar o governo, achando que o Severino ia ser contra o governo. Elegeram o Severino, mas não levou muito tempo para eles perceberam que o Severino não era oposição.
Não, não era mesmo. Era um dos mais fisiológicos deputados. Era conhecido como o Rei do Baixo Clero. Cobrou caro pelo apoio que deu ao governo. Indicou o ministro das Cidades. Recebeu outras benesses.
Severino renunciou ao mandato para não ser cassado. Tentou se reeleger deputado federal. Faltaram-lhe votos para isso. Quis emplacar um dos seus afilhados como secretário do governador Eduardo Campos (PSB). Não conseguiu. Tornou-se uma figura desprezível da qual costuma fugir a maioria dos políticos.
Até que... Até que Lula lhe deu a mão.
Que exemplo o presidente da República imagina que oferece ao distinto público ao se referir da maneira como o fez a um político acusado de corrupção?
Como pode dizer que continua respeitando Severino depois de saber que ele recebia propina?
Como pode cobrar respeito a quem quer que seja se desrespeita a todos dessa forma?
O PT fez Caixa 2 porque todo partido faz, admitiu Lula em 2005 no auge do escândalo do mensalão.
Os R$ 20 mil do publicitário Marcos Valério, embolsados pelo deputado Professor Luizinho (PT-SP), não passaram de "uma merreca", observou Lula ao sair em defesa do seu companheiro.
Vai ver que para Lula o comportamento de Severino não foi de todo reprovável. Vai ver que é por isso que o compreende, o estima e o exalta.
Definitivamente, a herança maldita do período Lula será a banalização dos maus costumes no trato da coisa pública.
Um comentário:
Esses caras são bandidos?
AUGUSTO DE FRANCO
Há ou não há um padrão? E que padrão é esse senão o do bando que não respeita limites quando estão em jogo seus interesses?
A TRAMA se desenrola no meio político, dominado por uma turma da pesada, cujo chefe mafioso é muito bem-visto pela população em virtude de suas obras de caridade. Mas eis que um investigador de polícia descobre evidências de um crime cometido pelos poderosos. No início, ninguém acredita. Ele é até punido pelo chefe. Mas insiste em puxar o fio. A história vai parar nas mãos de um jornalista corajoso que publica a matéria. Então a coisa toda desmorona. E a população, afinal, enxerga a verdade: os caras eram bandidos.
Há dezenas de filmes assim, exatamente com o mesmo argumento. São quase um lugar-comum em Hollywood. Mas não estamos assistindo a um desses batidos filmes policiais americanos. Estamos no Brasil de 2008, em plena "Era Lula", em que de nada adianta a publicação -nem de uma, nem de cem evidências- de crimes cometidos pelo governo.
Todavia, aqui seria possível concluir que os caras são bandidos?
No nosso mundo real, a turma da pesada é do PT. Mas, curiosamente, o PT tem menos bandidos -no sentido criminal do termo- do que a maioria dos outros partidos brasileiros.
Entretanto, no sentido social da palavra -aquele sentido a que se referia Eric Hobsbawm no interessante ensaio que publicou no final dos anos 70 sobre os "Rebeldes Primitivos"-, não há como fazer nenhuma comparação: o PT é um partido de bandidos.
Calma lá, litigantes de má-fé! Com isso não quero dizer que a maioria, uma parte ou todos os filiados e militantes do PT são bandidos (no sentido criminal do termo). Quero dizer que o PT é presidido por uma lógica ou uma racionalidade própria dos bandos. E que não é à toa que tenha se formado a partir do movimento sindical.
Sim, o sindicalismo, sobretudo se partidarizado, é uma forma branda de banditismo: subordina o sentido público ao interesse particular de uma corporação e não mede conseqüências para prover a satisfação de um grupo privado em detrimento do bem-estar geral. É exatamente o que o PT, como bando, faz: privatiza partidariamente a esfera pública.
Na nossa política, claro, há de tudo, inclusive bandidos comuns (embora sejam minoria), bandos locais ou regionais (ou "caciquias", às vezes coronelistas, montadas em torno de pessoas e famílias) e bandos políticos (formados com base em uma causa).
Os dois primeiros tipos são endêmicos na velha política brasileira. O terceiro só emergiu, em toda sua plenitude, com a vitória eleitoral de Lula.
A democracia convive com todas essas formas de banditismo, da criminal à social, ora fazendo valer a lei, ora gerando consensos sobre o que é ou não é socialmente aceitável.
O problema existe quando as coisas se misturam e um bando social, chegando ao poder, se alia a bandidos comuns (no sentido criminal) e às "caciquias" tradicionais clientelistas, instaurando outro tipo de banditismo: o de Estado, que tanto pode cometer crimes no varejo (sob o perigosíssimo manto da impunidade) quanto perverter a política e degenerar as instituições no atacado. É a via Putin. Contra essa eventualidade, porém, a democracia não tem proteção eficaz.
Não se retira o direito do PT de constituir-se como um bando social a partir de uma causa, mesmo que essa causa seja -na verdade- apenas ficar no poder o maior tempo possível.
O problema é que, ao montar aparatos ilegais de poder na própria Presidência da República, esse pessoal "atravessou o corguinho" (como se diz lá no interior de Minas).
Para ficar só nos megaescândalos, o caso Waldomiro-Dirceu foi a primeira evidência. O mensalão, a segunda. A quebra do sigilo do caseiro Francenildo, a terceira. A produção do falso dossiê contra Serra, urdida por homens da cozinha do presidente, a quarta. E agora veio a quinta: a investigação, sem nenhuma denúncia ou fato determinado, dos gastos oficiais com Ruth e Fernando Henrique Cardoso para produzir um novo dossiê com o qual o governo pretendia chantagear a oposição ou impedir que ela requeresse legalmente a investigação das -aqui, sim, fartas- evidências de uso criminoso dos cartões corporativos da Presidência por familiares ou auxiliares diretos de Lula.
Há ou não há um padrão? E que padrão pode ser esse senão o do bando que não respeita limites quando estão em jogo seus interesses?
As oposições permitiram que chegássemos a esse ponto e que se instalasse o banditismo de Estado no Brasil. Foram deixando a coisa avançar, imaginando que os caras eram "players" normais do jogo político. Como se vê, não são.
AUGUSTO DE FRANCO, 57, analista político, é autor, entre outras obras, de "Alfabetização Democrática". Foi conselheiro e membro do Comitê Executivo da Comunidade Solidária durante o governo FHC (1995-2002).
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