QUANDO VIERAM atrás das lâmpadas incandescentes, não protestei porque já me habituara a ler à luz de outras; quando baniram os bifes, não disse nada porque podia comer pizzas; quando eliminaram os transgênicos, tampouco reclamei, pois meu salário bastava para comprar alimentos orgânicos; quando proscreveram os vôos internacionais, dei de ombros, pois já conhecia Paris, Londres, Veneza; quando tornaram proibitivo o uso de automóveis, obrigando todos a se aglomerarem em ônibus e metrôs, calei-me porque trabalhava em casa; quando plastificaram as genitálias alheias para limitar a produção de bebês, ri da história porque não me dizia respeito; quando criminalizaram a sátira, os comentários politicamente incorretos, a obesidade, o fumo etc., aí, obviamente, já era tarde demais para abrir o bico.
Poucas décadas atrás, todas as proibições mencionadas teriam parecido ridículas, quando não absurdas. Dependendo de onde a vítima viva, hoje a maioria delas se tornou real demais. E muitas estão sendo impostas aos cidadãos não por meio de mecanismos democráticos, como a discussão e o voto, mas através de lobbies endinheirados que pressionam governos para que estes imponham à sociedade as manias desta ou daquela minoria obsessiva.
O lobby mais poderoso e articulado é, sem dúvida, o dos verdes ou ecologistas. Esse pessoal não apenas meteu na cabeça que, devido a algumas variações de frações de graus nos últimos cem anos, o planeta está prestes a se derreter, como se convenceram também de que nós, ou seja, os seres humanos, é que somos a causa do suposto desastre. Gente como Al Gore, os militantes do Greenpeace e os burocratas transnacionais da ONU selecionam a dedo, entre inúmeras hipóteses contraditórias, as poucas que lhes confirmam os preconceitos, obtêm apoio de alguns cientistas que acreditam nelas, conseguem o silêncio de muitos outros e, valendo-se de modelos computacionais às vezes duvidosos, muitas vezes discutíveis e discutidos, transformam em verdade absoluta o que mal passa, no momento, de uma especulação entre tantas, declarando, precipitada e acientificamente, que se trata de consenso indiscutível. Para completar, demonizam ou isolam quem quer que levante a menor objeção.
Mas, como não faltam mais aqueles que estão devidamente habituados a/e vacinados contra seu terrorismo conceitual (e, não raro, seu terrorismo propriamente dito), o fato é que, se submetidas aos processos decisórios normais de uma democracia, as medidas que eles reivindicam para combater tais males imaginários jamais seriam referendadas pelo grosso do eleitorado. Aí entram milionários como George Soros, companhias preocupadas com o efeito da propaganda negativa, firmas interessadas em vender produtos ecologicamente corretos, economias estagnadas que vêem nessa medida uma maneira de prejudicar as que andam a pleno vapor, países, ou antes, governos e elites do Terceiro Mundo aos quais se promete certa vantagem financeira em troca de apoio e assim por diante.
Um exemplo ajuda: pouco antes de deixar a presidência dos EUA para se tornar uma presença requisitada em Davos e lobbista internacional, Bill Clinton assinou o Protocolo de Kyoto. Por que é que só o fez então? Porque sabia que o documento não tinha a menor chance de passar pelo Senado. Embora seu gesto fosse, como tal, inútil, este aumentava sua popularidade entre o jet-set internacional em detrimento, é claro, da imagem de seu país. E isso apesar de sabermos que Kyoto era praticamente inútil, que as nações mais vocalmente empenhadas em seu sucesso têm sido as que mais longe ficaram das metas propostas.
A preocupação exacerbada com o clima e o meio ambiente, coisas cujo funcionamento se conhece pouco e mal, já resultaria em problemas imediatos, pois, para a parcela miserável da humanidade, dificulta cada vez mais a superação de seu estado. O que a faz ainda pior é o fato de que seja usada para encobrir ou eclipsar as questões verdadeiramente urgentes, os perigos autênticos que nos rondam: fanatismo religioso e conflitos interétnicos, terrorismo e banditismo internacionais, contrabando de armas e narcotráfico, migrações descontroladas, ditaduras genocidas em vias de adquirir armamentos nucleares. Nada disso, porém, desviará a atenção de milhares ou milhões de militantes que, como os adeptos de qualquer seita, são movidos por dois desejos prazerosos, a saber, o de policiar a vida alheia e o de punir o sucesso de sociedades inteiras que não comungam de sua fé apocalíptica.
7 comentários:
Hmm, Ascher esqueceu de dizer o que talvez tenha sido o maior fracasso dos ecologistas.
Na década de 60 foi lançado um livro que fez um sucesso gigantesco no 1o Mundo: The Silent Spring de Rachel Carson. Por quê a primavera estava silenciosa? Porque os pássaros haviam morrido. Por quê os pássaros haviam morrido? Porque os insetos haviam sido mortos pelo DDT.
Esse livro iniciou uma onda de campanhas ecológicas em favor do banimento do DDT. Até que o DDT finalmente foi banido.
Só que esqueceram de um detalhe: naquele momento, o DDT havia extinguido a malária em vastas regiões da Europa e da África, porque o DDT é ou era o ÚNICO inseticida que matava o mosquito da malária:
Com o banimento do DDT a malária voltou e desde então centenas de milhares de africanos sofreram de malária e muitos morreram da doença.
http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/1677073.stm
Eu até hoje não vi ou ouvi nenhum grupo ecologista reconhecendo a #@&%$*% que fizeram (os companheiros blogueiros me ajudem, se souberem). Mas o mosquito da malária agradece à Madame Carson e aos ecologistas.
Achei o texto uma porcaria.
Primeiro ele "copiou" uma conhecida frase como metáfora alçada ao total exagero, para ridicularizar o outro lado no debate.
Em seguida diz que ecologia é coisa de lobista ou desocupado. Mas aí se contradiz ao falar que Kyoto não deu certo por falta de empenho para cumprimento das cotas.
O melhor fica pro fim, quando ele diz que preocupação com clima e ecologia não é um assunto importante, mostrando que ele é tão fundamentalista e/ou movido a lobby quanto os ecochatos atacados no artigo.
Ainda bem que eu não cheguei a escrever a minha crítica ao post dos queijos, senão o Feluc ia achar que era perseguição. :D
Eu não acho que o texto represente um ponto de vista a ser defendido.
Penso que é importante viabilizar a discussão e não aderir pronta e completamente aos consensos que nos são apresentados.
Eu penso sim, que é muito fácil manipular dados e apresentar ao mundo que as calotas estão derretendo em função da atividade humana. Mas quem conhece um tiquinho de epistemologia sabe que o buraco é muito mais embaixo.
Criar um modelo de causalidade que demonstre uma tese dessa complexidade é tarefa hercúlea, senão impossível. E influenciar a política criando normas que constrangerão atividades importantes exige um mínimo de cuidado e honestidade, duas coisas que os ecochatos não tem porque pensam estar em uma guerra santa.
Leiam Feyerabend: "A Ciência em uma Saociedade Livre".
Filipe,
ele não copiou, fez uma paráfrase de um famoso texto, cujo autor é o teólogo protestante alemão Martin Niemöller (1892-1984).
O texto original é:
“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar.”
Feluc disse:
"Filipe, ele não copiou, fez uma paráfrase de um famoso texto, cujo autor é o teólogo protestante alemão Martin Niemöller"
Sim, eu sei disso, por isso escrevi "copiou", entre aspas. Me corrijo então para dizer que ele usou uma paráfrase e a alçou ao nível do exagero, para ridicularizar o outro lado.
Caro Feluc, adoro quando vc coloca textos justamente para proporcionar discussões fora do senso comum. Estou seguindo sua sugestão e discutindo, portanto. Do mesmo jeito que argumentei sobre a bela colocação do Evaldo Cabral de Mello, fiz agora com o Ascher.
A diferença é que, para mim, o Cabral de Mello foi brilhante e o Ascher foi só panfletário.
Acrescento ainda ao que disse antes que as alegadas "imposições de proibições", citadas pelo Ascher, me lembraram a Revolta da Vacina de 1904, no Rio. Sempre me soa apelativo recorrer ao argumento de que tal ou tal medida "não foi democrática" ou não seguiu a vontade popular, para desqualificar a medida como necessária e válida.
Vale lembrar que, guardadas as proporções, a vontade popular é majoritariamente favorável à pena de morte - dados do Datafolha de 04/2007 - e que nos EUA o aborto foi legalizado por uma decisão da Suprema Corte.
Abração!
Prezado Filipe,
talvez eu tenha exagerado. Por isso, me desculpe.
Mas gostaria de saber sua opinião quanto às dificuldades em se criar um modelo de causalidade que demonstre uma tese dessa complexidade.
E as implocações políticas de um conhecimento científico tão frágil?
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