Financial Times, 06/02/2008.
tradução:UOL
Quando virá a próxima crise financeira? Não sabemos. Mas de uma coisa podemos estar certos: a menos que aprendamos com esta crise, uma outra fará com que a economia mundial fique novamente em estado precário em um futuro não muito distante.
O "Financial Times" publicou várias contribuições no que se refere a lições aprendidas com a crise: Charles Goodhart, da Escola de Economia de Londres, e Avinash Persaud, da Intelligence Capital ofereceram "uma proposta sobre como evitar o próximo crash" (31 de janeiro); Francisco González, da BBVA, discutiu "O que os bancos podem aprender com a crise de crédito" (4 de fevereiro); e Daniel Heller, do Swiss National Bank, defendeu três rotas para a reforma dos bônus bancários (4 de fevereiro). O cerne do argumento de Heller é similar à minha própria contribuição ("Os reguladores deveriam intervir no pagamento dos banqueiros", 15 de janeiro), mas sem a coerção regulatória.
A grande questão é, de fato, saber se as lições precisam estar embutidas na regulação. Oponentes otimistas da regulação argumentam que os bancos aprenderam a sua lição, e comportar-se-ão de forma mais responsável no futuro. Os oponentes pessimistas temem que os legisladores possam criar uma lei Sarbanes-Oxley ajustada para a conjuntura. Eles dizem que essa lei, aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos em 2002, depois de escândalos como o da Enron, já foi suficientemente ruim. E agora os bancos poderiam passar por um sofrimento pior.
"Continuem sonhando", é a minha resposta aos otimistas. Aos pessimistas, eu respondo: sim, o perigo do excesso de regulação é real, mas também é arriscado não fazer nada.
Dois pontos se destacam em relação ao sistema financeiro nas três últimas décadas: a sua capacidade de gerar crises e o descompasso entre risco público e recompensa privada.
É verdade, no que diz respeito ao primeiro ponto, que nenhuma das crises financeiras desse período danificou seriamente a economia mundial, embora algumas tenham devastado economias individuais. Mas tal devastação é provavelmente apenas uma questão de tempo. O que estaria acontecendo agora se a inflação estivesse fora de controle ou se acabasse o apoio estrangeiro oficial ao dólar americano? Uma profunda e prolongada recessão seria provável, com devastadoras conseqüências econômicas e políticas.
É também verdade, quanto ao segundo ponto, que o setor bancário é o recebedor de maciços subsídios públicos explícitos e implícitos: ele está em grande parte garantido contra riscos de liqüidez; grande parte das suas dívidas parecem ser ativos contingentes relativos ao Estado; e os bancos centrais criam uma curva de rendimento positivo todas as vezes em que os bancos são descapitalizados, oferecendo desta maneira uma transferência direta para qualquer instituição capaz de tomar empréstimos a baixas taxas de juros e de emprestar a taxas altas.
Além disso, as instituições bancários sofrem de enormes problemas de agência - entre clientes e instituições, acionistas e gerência, e gerência e outras equipes. Tudo isso é também exacerbado pela dificuldade de monitorar a qualidade das transações até bastante tempo após o acontecimento.
Consideremos, por exemplo, o processo que trouxe empréstimos subprime para investidores em veículos de investimento especial (SIVs). Entre os últimos indivíduos nesta cadeia que tomaram empréstimos e os risk-takers (investidores que se expõem a riscos de mercado) havia os processadores de pedidos de empréstimos, criadores e promotores de passivos securitizados, agências de rating, equipes de venda, gerentes de bancos e de SIVs e gerentes de fundos de pensão e de outros fundos. Considerando-se o número de agentes e a quantidade de assimetrias de informação, é de se admirar que tão pouca coisa tenha saído errado.
Mas correram-se de fato grandes riscos. O próprio Estados Unidos dá a impressão de ser quase um gigantesco fundo de hedge. Os lucros das companhias financeiras dispararam de 5% dos lucros corporativos totais, após a dedução de impostos, em 1982, para 41% em 2007, ainda que a fatia do valor corporativo acrescentado tenha subido apenas de 8% para 16%. As margens de lucros bancários eram altas, até recentemente. Agora, finalmente, os rendimentos por ações e avaliações entraram em colapso.
Mas será que algo de efetivo pode ser feito para conter o risco implícito nisto? Para responder a isso, é preciso fazer uma distinção entre controles "micro-cautelosos" sobre as instituições e os "controles macro-cautelosos" sobre todo o sistema.
No primeiro, o consenso dos reguladores parece ser de que precisamos de ajustes para o sistema existente. Isso poderia incluir: maior atenção para com o gerenciamento de liqüidez, juntamente com um foco nas exigências de capital do acordo Basel II; mais testes de estresse dos modelos de "valores em risco; maior transparência através dos negócios, e maior independência das agências de rating em relação aos emissores.
Eu argumentaria, no entanto, que nada disso fará uma diferença suficiente. Os reguladores também precisam prestar atenção nos incentivos - especialmente na estrutura de pagamentos - dentro do negócio. Eu diria, além disso, que os reguladores precisariam adotar uma abordagem mais dura do que muitos deles fizeram no ciclo passado.
No entanto, a principal questão diz respeito à regulação macro-cautelosa. Conforme observou William White, do Bank for International Settlement, os bancos quase sempre entram em apuros em conjunto*. O mais recente ciclo de empréstimos frenéticos, seguidos por pânico e convulsão, é um exemplo paradigmático.
Uma resposta seria a elevação das exigências de capital de forma anti-cíclica, em resposta ao crescimento do crédito, conforme sugeriram os professores Goodhart e Persaud. Eles também sugerem uma relação máxima variável entre empréstimo e valor. White acrescenta que há necessidade de uma política monetária mais rigorosa.
Todas essas são idéias sensatas. Mas, conforme White também observa, a intensidade das pressões contra a "retirada das bebidas no momento em que a festa está ficando animada", para usar a famosa frase do ex-presidente do Fed, William McChesney, é formidável. Além da inércia burocrática, tal ação está sujeita tanto à incerteza inevitável quanto aos riscos das tendências atuais quanto à resistência por parte de interesses privados. Além do mais, os reguladores correm o risco constante de perder de vista a floresta sistêmica devido às árvores institucionais. Eu acrescentaria a isso tudo o simples fato de que a liberdade da política monetária dos Estados Unidos é contida pelas políticas monetária e cambiais de outros países, especialmente a China.
No fim das contas, resta para nós um dilema. Por um lado, temos um setor bancário que tem uma capacidade demonstrada de gerar grandes crises devido aos incentivos para assumir riscos subestimados. Por outro lado, carecemos da vontade e até mesmo da capacidade para regulá-lo.
Mas não contamos com nenhuma alternativa óbvia, e portanto temos que tentar fazer tal coisa. Um setor financeiro que gera grandes recompensas para quem faz parte dos seus círculos de influência e crises repetidas para centenas de milhões de expectadores inocentes é, diria eu, politicamente inaceitável no longo prazo. Aqueles que desejam que a globalização liderada pelo mercado prospere reconhecerão que este é o calcanhar de Aquiles desta globalização. Medidas efetivas devem ser tomadas agora, antes que surja uma crise global ainda maior.
* Making Macroprudential Concerns Operational, 2004, www.bis.org
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