sábado, 28 de julho de 2007

Meu criador

Hoje trato de uma quase unanimidade. E fico feliz que seja "quase" já que ele próprio dizia que "toda unanimidade é burra". Falo de meu criador, Nelson Rodrigues (que nada tem a ver com o Feluc, como alguns andaram aventando por aqui). A primeira vez que vi alguém falar sobre Nelson com paixão foi na faculdade. Mas, apesar de ver o fascínio nos olhos de quem falava e de gostar muito da pessoa, não me interessei por conhecer o assunto de que tratava. Alguns anos mais tarde - eu já tinha mudado de curso - peguei uma matéria com um professor de convicções fortes e paixão por Nelson. Coincidiu de ser a mesma época em que a Cia das Letras reeditava as obras do autor, e eu acabei comprando um livro de crônicas ("O óbvio ululante" - atualmente reeditado pela Agir). Foi paixão ao primeiro texto. Ali se revelava para mim não apenas um ótimo escritor, mas principalmente uma figura inesquecível. Alguns são muito bons, outros são grandes, Nelson destaca-se por ser humano, absolutamente humano. E é disso que mais gosto nele. Sua humanidade transpassa cada uma de suas crônicas, seu moralismo, cada uma de suas peças, e sua passionalidade, cada um de seus romances.
Quando falo em humanidade, não confundo com bondade (como a maior parte de nós, ele era por vezes absolutamente bom e, outras tantas, um grande canalha). Falo das contradições, das fraquezas e das tragédias que acompanham cada um. Ah, e como Nelson viveu tragédias. Primeiro foi a morte de Robert0 (seu irmão), depois a de seu pai, a quebra do jornal de sua família e os anos da fome. Quando tudo parecia começar a ir bem, a morte de Jofre (outro irmão), a tuberculose. Mais tarde, foi Paulinho (seu outro irmão) que morreu com toda a família e por, fim, Daniela, a menina sem estrela, sua filha, que nasceu. Nelson passou por tudo sofrendo a dor que qualquer um sofreria, mas sem fazer drama. Ao contrário, depois de tudo, escreveu uma de suas mais belas crônicas: "O ex-covarde". Nela explica porque não tinha medo de nada (afinal já havia perdido tanto), porque se aventurava a ir contra a unanimidade e ser o doce reacionário que todos conhecemos.
É, Nelson aventurou-se a criticar a esquerda, quando, acreditava-se, só os crápulas eram de direita. Mas não se enganem. Nelson não se considerava um homem de direita e nem perdia uma noitada no Antonio's, reduto da esquerda festiva. Pior, tinha como um de seus melhores amigos o vermelhinho Hélio Pelegrino. Os dois, como alguns de vocês, apesar das diferenças políticas, almoçavam pelo menos uma vez por semana juntos e um sempre soube que podia contar com o outro (quando Hélio foi preso, as conversas semanais continuaram, e ele foi solto pela intervenção de seu amigo, bem relacionado com os militares).
No campo dos costumes, Nelson não se furtou a tomar posições polêmicas. Dizem que ficou conhecido como tarado por conta de suas peças, mas a verdade é que essa pecha o acompanhou de muito antes. Ele mesmo conta (e Ruy Castro confirma) que, quando tinha sete anos, uma vizinha entrou na sua casa e disse para sua mãe: "Qualquer filho seu pode entrar lá em casa, menos Nelson." Nelson, o cabeçudinho pernambucano, tinha olhado a filha da vizinha, uma criança de também seus sete anos, nua, e, a vizinha percebeu ali, a taradice do moloque. Na mesma época, houve um concurso de redação na escola. A professora viu o texto rodrigueano, leu, mostrou para a diretora e, só depois, decidiu premiá-lo em primeiro lugar junto com outro, que tratava de um marajá que andava em um elefante nas Índias. Nelson nunca se conformou em ter tido que compartilhar seu prêmio com o colega, dizia que no elefante inventando faltava uma pedra entre os olhos que era fundamental. Em seu texto não, não faltava nada. Tratava de uma senhora casada pega com o amante pelo marido, que a mata.
Puro Nelson. Como uma de suas mais famosas frases: "Toda mulher gosta de apanhar." E quando perguntado se eram todas mesmo, dizia: "Só as normais. As histéricas, não". Como grande parte das coisas de Nelson a intenção era polemizar, já que ele sabia que poucos o compreenderiam. Mas, em uma ocasião, Nelson decidiu explicar do que falava. Contou o caso de uma vizinha, lá, na Aldeia Campista, que tinha um marido muito bom, fazia tudo por ela e nunca a contrariava. A moça achava o marido muito bonzinho, mas não tinha por ele nenhuma admiração e, todos sabemos, para haver amor é preciso, ao menos, um pouco de admiração. Um dia, a mulher tanto fez e tanto importunou o marido, que ele perdeu a paciência e bateu nela. Surgiu aí o amor. Porque a mulher passou a respeitar aquele sujeito e ter orgulho de estar ao seu lado, pois sabia que ele não era um paspalho. O importante não é o tapa, mas a certeza de se estar com um "homem".
Acabei não falando da humanidade de Nelson (ia exemplificá-la contando sua relação com quem o criticava). O texto já está muito longo. Deixo então para outra oportunidade.

2 comentários:

Anônimo disse...

você fez a minha cabeça. Vou comprar a obra completa dele...
Tem pel Aguillar, não?

Anônimo disse...

Sensacional, o feluc faz um post com o alter ego feminino dele e ainda faz um comentário anônimo falando da Editora Nova Aguillar.

Alguns psicanalistas atenderiam esse caso sem cobrar um centavo.