De negros, brancos, homens e mulheres no STF, só espero que sejam justos
Lastimável, sob qualquer ponto de vista que queira, a entrevista de Joaquim Barbosa, ministro do Supremo Tribunal Federal à Folha de hoje (ver post da madrugada). Já há gente demais no país criando falsas clivagens entre pobres e ricos, nortistas e sulistas, brancos e negros etc. Não precisávamos que um ministro do STF também o fizesse, movido por um sentimento que não tem cor, origem social, etnia ou sexo: a vaidade.Apelar a questões raciais — ou, no caso, racialistas — é nada mais do que uma forma de vencer um debate ou confronto intelectual mesmo sem ter razão. Se, num dado momento da refrega, um dos lados apela: “Você diz isso só porque sou negro, gordo, mulher, bicha, anão...”, o mérito da questão já ficou a léguas de distância: o objetivo é só silenciar o adversário.Leiam pergunta e resposta:
FOLHA - A mídia o aponta como o ministro que mais se desentende com os colegas. O sr. é uma pessoa de temperamento difícil?
JOAQUIM BARBOSA - Engano pensar que sou uma pessoa que tem dificuldade de relacionamento, uma pessoa difícil. Eu sou uma pessoa altiva, independente e que diz tudo que quer. Se enganaram os que pensavam que, com a minha chegada ao Supremo Tribunal Federal, a Corte iria ter um negro submisso. Isso eu não sou e nunca fui desde a mais tenra idade. E tenho certeza de que é isso que desagrada a tanta gente. No Brasil, o que as pessoas esperam de um negro é exatamente esse comportamento subserviente, submisso. Isso eu combato com todas as armas.A resposta é um desastre. Quem, afinal, esperava um “negro submisso” no Supremo? Eu nunca imaginei, pra começo de conversa, que Barbosa estivesse lá porque é negro. Sempre pensei que o presidente Lula e sua equipe tivessem feito a seguinte consideração: “Olhem, dos candidatos que temos aqui, Joaquim Barbosa é o que tem melhor currículo”. E é negro. Se o petismo pensou em cotas, não sei. Negros como Joaquim Barbosa são 6% da população brasileira. Fosse uma questão de representação, agora eles são 9% do tribunal.Mas um tribunal, suponho, não deve ser pensado assim, não é? Ou o próximo ministro terá de representar os, dizem, 10% de homossexuais — além de equilibrar a representação das mulheres, que deveriam ocupar 5,5 cadeiras no Supremo. Não sendo possível, restaria a questão de arredondar para cima ou para baixo. E outras demandas, à medida que fossem se tornando influentes, teriam de estar espelhadas nop grupo. Não teríamos mais uma corte com aspirações universalistas, mas uma um tribunal balcanizado por demandas estranhas aos autos.Joaquim Barbosa diz que esperavam um negro submisso no tribunal. E atribui certas pendengas em que se envolve ao fato de ser altivo — segundo a sua fala, um negro altivo. Logo, ou atribui essa altivez ao fato de ser negro ou a entende como uma postura defensiva que se associou a tal condições, de sorte que o “ser negro”, num dado momento, se sobrepõe ao “estar juiz”. Muitos diriam: “Mas é claro, ele já era negro antes de ser juiz”. Fato. Mas, para o tribunal, isso não tem — ou não deveria ter — a menor importância.
Outra questãoAgora leiam isto:
BARBOSA - A imprensa se esquece de dizer quais foram as razões pelas quais eu tive certos desentendimentos. Quase sempre foram desentendimentos nos quais eu estava defendendo princípios caros à sociedade brasileira, como o combate à corrupção no próprio Poder Judiciário. Sem aquela briga com o ministro Marco Aurélio, o caso Anaconda não teria condenação e cumprimento de penas pelos réus.Se há alguém que não pode reclamar da imprensa, é Joaquim Barbosa, que teve tantas vezes reconhecidos seus méritos — e isso nada tem a ver com seu temperamento; e seu temperamento nada tem a ver com a sua origem social ou a cor de sua pele — que raça não é. Ademais, não é preciso ser muito bidu para entender, de sua fala, que, no caso da Operação Anaconda, ele teria propugnado pela punição, e seu colega Marco Aurélio, pela impunidade. É isso? Se não é, tem de se explicar. O conjunto da obra é péssimo na boca de um ministro do Supremo. E não parou por aí.
FOLHA - Uma crítica recorrente é que o Supremo favorece as elites. Como o sr. vê essa observação?
BARBOSA - Eu ainda não amadureci a minha reflexão sobre isso. Mas há uma coisa que me perturba, que me deixa desconfortável aqui no tribunal e na Justiça brasileira como um todo. É o fato de que certas elites, certas categorias monopolizam, sim, a agenda dos tribunais. Isso não quer dizer que eu esteja de acordo com a frase de que o tribunal favorece as elites. Monopolizam a agenda.Acima vai o seu pior momento, sintoma da gradual deterioração institucional do país. Membro do Supremo, ele ainda “não amadureceu a reflexão” sobre a acusação de que a corte “favorece as elites”. Ora, a simples dúvida deveria ser o bastante para que ele renunciasse e passasse, então, fora do tribunal, a atacar os seus desvios elitistas. E ele aponta, então, a capacidade das “elites” (sempre elas) de monopolizar o tribunal, conferindo ares de verdade à indagação-afirmação. E dá depois um pé na coerência, sustentando que não concorda com a acusação. Não refletiu o bastante ou não concorda? Não concorda mesmo sem refletir o bastante?Imaginem, só para efeitos de comparação, um juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos que sugerisse estar sendo alvo de preconceito racial e que pusesse, ainda que de forma oblíqua, em dúvida decisões do tribunal. Não imaginem. Porque não há a menor chance de que isso venha a acontecer — como também não acontece de um juiz atacar publicamente o voto do outro.Barbosa é negro? E daí? Ainda que fosse verde, nada perdoa a estultice de sua fala. De negros, brancos, mulheres, homens etc no tribunal, ministro, só espero que sejam justos. Até porque, se um negro deve responder com altivez desmesurada a uma suposta expectativa de subserviência, um branco deveria reagir com modéstia excessiva e timidez à expectativa contrária: a da arrogância. Em qualquer dos casos, teríamos maus juízes.
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