quarta-feira, 4 de junho de 2008

The New York Times, hoje.

Friedman: a hora do pragmatismo radical diante do conflito israelense-palestino

Thomas L. Friedman
Colunista do The New York Times
Em Ramallah, na Cisjordânia

Quando eu fiz reportagens em Israel, em meados da década de 1980, o grande debate aqui dizia respeito a determinar se a construção de assentamentos judeus no território ocupado da Cisjordânia tinha ultrapassado um ponto de não retorno - um ponto a partir do qual fica praticamente impossível imaginar qualquer retirada séria. A questão era freqüentemente formulada da seguinte forma: "Faltam cinco minutos para a meia-noite, ou já é meia-noite e cinco?" Bem, tendo dirigido um pouco por esta parte da Cisjordânia, como sempre faço quando visito a região, o que mais percebi foi que não estamos apenas nos cinco minutos após a meia-noite. Na verdade, passaram-se cinco minutos e mais uma semana inteira após a meia-noite.

Hoje em dia a Cisjordânia é um emaranhando feio de muros altos, postos militares de revista israelenses, assentamentos judeus "legais" e "ilegais", vilas árabes, estradas judaicas que só os colonos israelenses podem usar, estradas e barreiras árabes. Esta realidade dura e pesada não será revertida por nenhum processo convencional de paz. "A solução baseada em dois Estados está desaparecendo", afirma Mansour Tahboub, editor do jornal da Cisjordânia "Al-Alyyam".

De fato, estamos agora em um ponto no qual a única coisa que poderia funcionar é aquilo que eu chamaria de "pragmatismo radical" - um pragmatismo que é tão radical e energético quanto o extremismo que ele espera neutralizar. Sem isso, temo eu, Israel continuará permanentemente grávido de um Estado palestino morto.

O motivo pelo qual necessitamos de uma mudança radical é óbvio: a rota tradicional na qual neste momento encontram-se israelenses e palestinos não conta com energia e autoridade suficientes para gerar uma solução.
Com o encorajamento do governo Bush, Israel e a Autoridade Palestina na Cisjordânia negociam um tratado de paz que se acredita que será arquivado até que os palestinos contem com capacidade suficiente para implementá-lo. Eu duvido seriamente que as partes envolvidas chegarão a um acordo, e ainda mais que elas contem com a energia para colocá-lo em prática.

A falta de energia israelense-palestina atual ocorre em três níveis:
primeiro no nível da esperança e da confiança. Desde a derrocada do acordo de Oslo, o romance desapareceu do processo de paz. Israelenses e palestinos lembram um homem e uma mulher que, após um namoro conturbado, finalmente casam-se e, um ano depois, começam a trair-se
mutuamente: os israelenses continuam construindo assentamentos nos territórios palestinos ocupados, e os palestinos continuam construindo ódio. Quando há traição e briga após um processo de paz, a confiança desaparece por muito tempo.

O déficit de confiança é exacerbado pelo fato de que, depois que Israel saiu da Faixa de Gaza, em 2005, os palestinos, em vez de construírem lá uma Cingapura, fizeram uma Somália, e concentraram-se não na fabricação de microchips, mas na confecção de foguetes para atingir Israel.

A segunda falta de energia deve-se ao fato de Israel, com o muro que erigiu em torno da Cisjordânia, ter isolado de forma tão efetiva os homens-bomba palestinos que a população israelense não tem neste momento nenhuma sensação de urgência, especialmente quando a economia encontra-se aquecida. Para os israelenses, a Cisjordânia por detrás do muro é um lugar tão distante quanto o Afeganistão.

"Atualmente não temos nem o romantismo do processo de paz que havia antes da desintegração do acordo de Oslo, nem um desastre visível batendo às portas da consciência de Israel", observa o colunista do "Haaretz", Ari Shavit.

A terceira carência de energia reside no fato de o sistema político, tanto em Israel quanto entre os palestinos, estar tão dividido internamente que nenhuma das duas partes é capaz de contar com a autoridade para tomar uma grande decisão.

Só os Estados Unidos são capazes de superar este impasse diplomático, ao oferecerem algum pragmatismo radical, e a lógica do processo seria a
seguinte: se o presidente palestino Mahmoud Abbas não assumir em breve o controle sobre pelo menos parte da Cisjordânia, ele não contará com a autoridade para assinar qualquer tratado de paz com Israel. Abbas ficará totalmente desacreditado.

Mas Israel não pode ceder território em nenhuma parte da Cisjordânia sem contar com a garantia de que há alguém de confiança no comando. Foguetes lançados da Faixa de Gaza atingem a remota cidade israelense de Sderot. Foguetes da Cisjordânia poderiam atingir - sendo lançados de mais perto - o aeroporto internacional de Israel. Esse é um risco intolerável. Israel precisa começar cedendo território em pelo menos parte da Cisjordânia, mas de uma forma que o Estado judeu não corra o risco de ter que interditar o seu aeroporto.

O pragmatismo radical diria que a única forma de equilibrar a necessidade palestina de ter soberania já e a necessidade de Israel retirar-se já, sem, no entanto, criar um vácuo de segurança, é trazer um terceiro participante - a Jordânia - para as negociações, a fim de ajudar os palestinos a controlar qualquer território da Cisjordânia que lhes seja devolvido. A Jordânia não quer governar os palestinos, mas ela, também, tem um interesse vital em não ver a Cisjordânia cair sob o controle do Hamas.

Sem uma nova abordagem radicalmente pragmática - uma abordagem que implique na retirada israelense da Cisjordânia e no controle e soberania reais da Autoridade Palestina, mas que também aborde a questão da desconfiança profunda ao trazer a Jordânia para a mesa de negociações como parceira dos palestinos -, qualquer tratado já nascerá morto.

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