A Argentina pode chegar ao seu segundo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro ? É o que nos conta o ensaio abaixo.
Da Agência Carta Maior:
.Laurindo Lalo Leal Filho
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Mesmo sem brasileiros no páreo, já há por quem torcer no Oscar deste ano. Concorre na categoria "Melhor filme estrangeiro” o argentino "O segredo dos seus olhos”, dirigido por Juan José Campanella com interpretações magistrais de Ricardo Darín e Soledad Villamil. Um primor.
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Campanella se supera. Depois de dirigir "O Filho da Noiva", um sucesso em 2001 e o razoável "Clube da Lua" em 2004, ele vai além do que já fez nessas produções quando conseguiu tornar universais alguns aspectos marcantes do cotidiano argentino recente.
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“O segredo dos seus olhos” parte desse patamar e avança para a ousadia. Tem o mérito de mostrar a rotina de um tribunal de justiça portenho, adicionando a ela as emoções da tragédia, do humor, do amor, do suspense e da luta política dos últimos trinta e cinco anos naquele país.
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Podia não dar certo, tantas as possibilidades abertas pela trama. Mas deu, graças principalmente à direção segura de Campanella, capaz de extrair o máximo possível de um bom roteiro e de excelentes atores.
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Adaptado do livro de Eduardo Sacheri, co-roteirista do filme junto com o diretor, “O segredo dos seus olhos” trata da investigação de um estupro seguido de assassinato ocorridos em 1974, pouco antes do golpe de Estado, sem conotações politicas.
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E mostra até que ponto as garantias individuais e o poder da justiça já vinham sendo minados na fase pré-ditadura. Para depois, durante os anos de chumbo, contar como criminosos comuns se transformam em agentes do regime, ao mesmo tempo em que investigadores honestos são exilados em longínquas províncias.
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Tudo isso é narrado de forma sofisticada, sem chavões ou clichês. O fio condutor do filme é, na verdade, um amor difícil de se concretizar, acompanhado de uma busca incessante pela punição do crime brutal. Para o autor do livro trata-se de “uma reflexão sobre o castigo”.
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Temática delicada que nos aproxima dos vizinhos argentinos quando propomos a mesma questão para os crimes cometidos pela repressão política praticada por agentes do Estado, em ambos os países, durante as ditaduras. Ela nos remete à necessidade que sentimos de que hajam punições e que elas sejam verdadeiros castigos.
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Trata-se, como se vê, de um cinema que além de entreter nos faz refletir. No entanto, um filme como esse só pode ser visto em poucas salas e quase nunca na TV brasileira. Nesta só há lugar praticamente para produções B estadounidenses.
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O pouco de cinema da TV aberta resume-se aos chamados “filmes de ação” e no cabo (ou nos canais pagos por satélite), onde a oferta cinematográfica é maior, são poucos os filmes de qualidade. Campeia a massificação ideológica perpetrada pela indústria cultural, como lembrou com precisão o professor Marco Aurélio Garcia em recente pronunciamento.
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Filmes de reflexão passam longe da TV. E filmes de reflexão argentinos passam mais longe ainda. Por aqui a televisão continua sua tarefa de nos afastar da América Latina. A TV paga vista no Brasil, por exemplo, exibe quase cem por cento de filmes produzidos nos Estados Unidos e a aberta insufla o ódio aos argentinos com piadas de gosto duvidoso e, principalmente, com ataques perversos em jogos de futebol.
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Ambas investem pesado contra qualquer processo de integração e de emancipação do continente. Basta ver como tratam em seus noticiários e programas de entrevistas os governos democraticamente eleitos da Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela, por exemplo.
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Mas não custa sonhar. Talvez um dia ainda consigamos criar uma TV pública bi-nacional com a Argentina, como fizeram franceses e alemães ao construírem a TV Arte, superando diferenças seculares infinitamente maiores das que temos com os nossos vizinhos. Por ora só nos resta torcer para que “O segredo dos seus olhos” ganhe o Oscar. Fato que considero difícil uma vez que o filme é muito inteligente.
. Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).
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