Tenho duas notícias para comentar com vocês, uma boa e uma má. Primeiro, vamos começar com a má: o governo brasileiro acaba de anunciar a descoberta de um campo gigantesco de petróleo em Tupi, RJ, aumentando as reservas de petróleo e transformando potencialmente o Brasil em um grande exportador de petróleo. A boa é que ainda vai demorar um bom tempo para conseguir tirar esse petróleo do chão.
Acredita-se que a produção de petróleo tem caído nos últimos anos: uns dizem que o fenômeno se deve a uma conjunção de fatores, incluindo desde a Guerra do Iraque, até a intromissão política no gerenciamento da PDVSA venezuelana por Hugo Chávez. Outros dizem que o que estamos vendo já é o esgotamento das reservas mundiais de petróleo.
Com a produção caindo e a demanda aumentando, não surpreende a ninguém que o preço esteja subindo. Há dois anos o barril de petróleo custava USS 60,00 . Agora ele já está encostando na marca dos cem dólares..
A primeira impressão que se tem, então, é que é uma grande benção a descoberta de petróleo em quantidades tão grandes, ainda mais no presente momento, com os preços tão elevados.
Só que a teoria e a realidade econômica recentes contam uma história diferente.
Primeiro vamos rever um conceito básico de comércio exterior. Como todos sabem, quando um brasileiro exporta um bem qualquer, digamos, para os Estados Unidos, ele não entrega a mercadoria e recebe o dinheiro vivo. Ele tem de celebrar (ou tinha até pouco tempo atrás) um “contrato de câmbio” com o Banco Central. O Banco Central fica com os dólares e o exportador recebe a importância correspondente aos dólares na moeda nacional.
A Doença Holandesa
A Holanda parece ser pequena demais para ser produtora de um minério. Mas na década de 80 foram descobertas importantes jazidas de gás no país. E os holandeses começaram a exportar gás natural em grande quantidade, passando a auferir grandes receitas de exportação.
O que aconteceu em seguida é o que nos interessa no momento. Com uma grande quantidade de moeda estrangeira entrando no país, a moeda holandesa foi se valorizando, ou seja, ficando “mais forte” em relação às moedas estrangeiras. Quando a moeda nacional se valoriza, isso incentiva as importações e desincentiva as exportações, com a mesma quantidade de reais posso comprar mais mercadorias estrangeiras, ao mesmo tempo que recebo menos reais pelas mercadorias brasileiras que eu exportar.
A moeda valorizada na Holanda teve um efeito daninho sobre as exportações industriais, pois, à medida que a moeda foi se valorizando, os produtos exportados pela Holanda foram perdendo competitividade. As receitas com exportações foram caindo, até que o governo holandês instituiu um imposto de exportação, encarecendo as exportações de gás e freando o aumento das exportações, aliviando a pressão de valorização da moeda nacional.
O fenômeno foi batizado como “Doença Holandesa” e foi desenvolvido teoricamente. Toda vez que, em um país que exporta tanto produtos primários quanto produtos elaborados há um grande aumento de receitas de exportação do produto primário, isso gera um grande ingresso de moeda no páis, valoriza o câmbio e tende a penalizar as exportações e prejudicar o setor manufatureiro. O raciocínio vale para qualquer insumo básico, mas os casos suspeitos de “doença holandesa” são geralmente ligados ao petróleo.
Vocês podem encontrar um bom artigo sobre a doença holandesa aqui:
http://en.wikipedia.org/wiki/Dutch_disease
A Doença Brasileira
O que aconteceria se o Brasil se transformasse, no horizonte previsível dos acontecimentos, em um grande exportador de petróleo? Tudo indica que o mesmo fenômeno se repetiria: haveria uma valorização do real em relação às outras moedas. A questão é: existe espaço para valorização da moeda no Brasil?
A moeda brasileira está sensivelmente valorizada desde o Plano Real. Aparentemente, isso foi originalmente projetado na época de elaboração do plano para que o câmbio servisse como “âncora”, e eventuais desequilíbrios internos de preços pudessem ser compensados através de importações.
De lá para cá, a situação é outra: a moeda brasileira tem se valorizado, mas devido a um outro fenômeno: a dívida pública brasileira subiu assustadoramente no período do Governo de Fernando Henrique, o que forçou o governo a aumentar a taxa de juros. A taxa de juros alta atraiu recursos em grande volume do exterior, forçando a valorização do câmbio. Hoje a moeda brasileira está ainda mais valorizada em relação às moedas estrangeiras do que no período FHC, e é realmente um milagre que as exportações não tenham caído mais do que caíram. Muitos empresários do setor calçadista já transferiram suas fábricas para a China, devido ao câmbio sobrevalorizado.
Resumindo, não há espaço para valorização do câmbio no Brasil. Se o Brasil se transformasse nos próximos anos em um grande exportador de petróleo, isso poderia signficar a morte da indústria de exportações, que vai no máximo se aguentando com o câmbio no nível que está.
Do ponto de vista econômico, não seria tão difícil contornar o problema assim. Bastaria criar um imposto de exportação sobre petróleo e derivados, o que transformaria o lucro da Petrobrás em receita da União. Esta seria a medida que provavelmente o governo tomaria hoje, caso o problema estivesse no horizonte próximo de acontecimentos. Como os gastos do governo não param de crescer, seria uma tentativa de resolver dois problemas de uma só vez.
Então o petróleo melhoraria a balança comercial, mas bem menos do que estão sugerindo. As exportações de petróleo gerariam receita, mas bem menos do que estão imaginando. Muito dinheiro entrando, o câmbio se valorizaria ao ponto de ameaçar o setor industrial (e talvez o agrícola) brasileiro.
Mas acredito que os problemas ligados ao petróleo não se resumem aos aspectos econômicos.
Examinem com cuidado os países exportadores de petróleo. Principalmente os grandes exportadores. Eles correspondem à imagem do que você gostaria que o Brasil se tornasse no futuro? Em todos eles, ou um ditador subiu ao poder e não mais saiu, ou uma elite corrupta controla o petróleo e com isso controla os destinos do país. Todas as atenções se voltam então para o ouro negro e para pouca coisa fora isso.
Nenhum desses países é um exemplo do que a gente chama de “progresso”, principalmente científico e tecnológico. No Oriente Médio, o país mais avançado é Israel, mesmo sem ter petróleo (ou por causa disso). Os países árabes não são capazes de produzir praticamente nada, sendo que o Irã nem mesmo refina (pelo menos não todo) o seu petróleo e importa gasolina refinada. Por outro lado, a única democracia no Oriente Médio é Israel, os outros são uma mistura de teocracias com monarquias mais ou menos despóticas, sem mencionar os casos mais extremos tipo Kadaffi (outro país exportador).
Condoleezza, Asari e Um Certo Príncipe Bandar.
Condoleezza Rice é um típico exemplo de “self-made woman”. Filha de um pastor e tendo sido vítima da discriminação racial no seu estado de origem (Alabama), subiu na carreira acadêmica e posteriormente no governo através do seu preparo e esforço. A única nota destoante de seu currículo foi o período em que foi diretora da Chevron, chefiando o “Committee on Public Policy” (O que está acontecendo na Chevron? Eles não podiam inventar um nome melhor para esse cabide de emprego?).
Mujahid Dobuko-Asari, ou mais simplesmente Asari, era um líder guerrilheiro nigeriano. Diga-se de passagem que ele “era” líder da guerrilha não porque tenha morrido. Depois de realizar centenas de ataques a dutos e instalações petrolíferas, fez um acordo com o governo e foi “indenizado” com uma quantia substancial por cada rifle de seus seguidores que entregasse ao governo. Quantia essa que era evidentemente muito maior que o valor dos rifles.
Hoje Asari não circula mais pela floresta, bolando estratagemas para explodir instalações das petrolíferas que operam na Nigéria. Um jornalista que visitou a sua casa, com amplo hall de entrada e vários carros na garagem observou que “a residência dele não corresponde ao que a gente chamaria de casa de um guerrilheiro”. Já outros nigerianos tiveram a idéia de aliviar um pouco a pressão dos oleodutos, desenvolvendo técnicas para extrair o óleo dos mesmos. Essa parece ser a nova mania nacional na Nigéria.
Quem é o proprietário do imóvel mais caro nos Estados Unidos? Bill Gates? Algum Rockefeller? A fama de ser o proprietário do imóvel mais caro é do Príncipe Bandar, o homem de ligação saudita nos Estados Unidos, ou como seria mais exatamente chamado no linguajar político brasileiro, o “homem da mala preta”. Com ampla circulação nos meios políticos americanos, o Príncipe Bandar zela pela “coordenação” dos interesses dos sauditas em território americano, onde eles têm entre outras coisas parcela considerável das ações em Wall Street. Caso os sauditas retirassem subitamente o seu dinheiro, a casa sofreria um considerável balanço.
Para quem quiser, aqui tem uma página sobre o nosso amigo, com direito a retratinho ao lado do Bush (quando ele era embaixador) e tudo
http://en.wikipedia.org/wiki/Bandar_bin_Sultan
O que esses três têm em comum, e nos poderíamos juntar milhares de historinhas semelhantes é simplesmente o poder corruptor do dinheiro gerado pelo petróleo. Bandar, Condoleezza, Asari, tanto faz a etnia, crença ou filiação política: o dinheiro do petróleo corrompe a todos: da conservadora religiosa americana, ao líder revolucionário africano.
O petróleo como que “vicia” os países que o importam, e, ainda mais os que o exportam. Cuba viveu durante décadas do petróleo que era vendido (mas nunca cobrado) pelos soviéticos, a parte que não consumia era exportada e com isso gerava uma fonte extra substancial de receitas para os cubanos. Com o fim da União Soviética, acabou a fonte de petróleo e os cubanos tiveram de parar de usar tratores na agricultura e voltar a usar tração bovina (eles chamam o fato de “Revolução Agrícola”, sic).
Em décadas vivendo do petróleo russo, não foram capazes de fazer mais nada além de plantar cana. Neste exato momento, os cubanos estão fazendo prospecção ao longo da costa da Flórida juntamente com os chineses, região rica em óleo mas inexplorada pelos americanos devido às pressões ambientalistas. Quem sabe eles não têm sorte acham petróleo em quantidade e conseguem uma sobrevida ao falido sistema cubano por mais umas décadas? Fidel, paciente, cofia sua barba.
Bem, eu poderia acrescer mais dados e hipóteses, mas acho que já abusei da paciência de vocês por uma semana inteira, o essencial, ao menos, foi dito. Juntando essas informações o que podemos concluir? É uma ilusão achar que o petróleo vá mudar substancialmente, e para melhor, o panorama econômico e social do Brasil. Se o petróleo que foi anunciado for usado sabiamente, será alguma ajuda, proporcionará algum auxílio, na mão de alguém com ilusões de poder pode ser uma tragédia nacional.
O petróleo não é nenhum Midas, que transforma em ouro aquilo que toca, a melhor imagem seria a de uma árvore, que só cresce impedindo que tudo que esteja ao seu redor floresça e se desenvolva. É tarefa nossa, pessoas mais esclarecidas, tentar influenciar o ambiente cultural que normalmente frequentamos, e combater no nascedouro a ilusão de que “cadáveres geológicos” (a expressão é do Bob Fields) sejam capazes de promover o desenvolvimento e a justiça social no nosso país.