quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Por favor, não matem o queijo francês

O produto sofre as indignidades da industrialização, que sacrifica o sabor pela produção automatizada

31/01/2008, The Herald Tribune (tradução: UOL)
Michael Johnson, em Bordeaux, França.

Quando cheguei à Europa vindo do centro-oeste americano, vários anos atrás, fiquei maravilhado -como muitos recém-chegados antes de mim- pela famosa cozinha francesa. Mas foi o queijo que realmente explodiu minhas papilas gustativas.

Os franceses gostam de dizer que têm um queijo diferente para cada dia do ano, e também gostam de citar a frase desesperada de Charles de Gaulle: "Como pode alguém governar um país que tem 246 tipos diferentes de queijo?" Ele talvez tenha errado por cem queijos, aproximadamente, mas a tese é boa. A variedade tem seus problemas, mas de qualquer modo o mundo fica melhor assim.

De Gaulle, o campeão da França e de suas tradições, ficaria duplamente desesperado hoje ao saber que grupos do agronegócio estão comprando e pasteurizando os produtos de pequenas queijarias francesas.


Franceses oferecem queijo Roquefort diante de uma lanchonete do McDonald's em Paris

Já houve cerca de 20 variedades de camembert na Normandia, cada qual com seu próprio sabor identificável. Hoje a maioria das marcas de camembert pertence a grandes empresas alimentícias, e os processos modernos exigem pasteurização, tornando os produtos livres das bactérias que basicamente diferenciam um tipo de queijo do outro.

Seria fácil demais culpar a globalização e a busca pelo mínimo denominador comum no mercado mundial, mas seja como for os queijos insossos dominam a França hoje. A vida de prateleira prolongada é exigida pelos supermercados, e os mercados de exportação preferem queijos sem bactérias vivas. Essas variedades desnaturadas são muitas vezes embaladas em pacotes tradicionais de palha ou recipientes de madeira com rótulos que implicam o uso de métodos manuais. Os queijeiros com mais imaginação sugerem que os seus são despejados nas formas por camponeses de bigode segurando grandes colheres. Puro folclore.

O queijo francês está sofrendo as indignidades da industrialização, sacrificando a variedade e o sabor pela produção automatizada de baixo custo e alto volume. Um queijo com uma marca viável pode ser produzido em volume cem vezes maior com a robótica moderna, um bom software e muito leite pasteurizado.

Os puristas temem que em uma geração grande parte da população francesa não tenha mais lembrança de qual deveria ser o sabor de um queijo.

Um programa especial recente de três horas na televisão francesa questionou a sabedoria de se mexer nas grandes tradições queijeiras do país. Um exemplo citado foi a nova técnica de produzir queijo de cabra o ano todo, e não apenas na primavera, para maximizar as receitas. A técnica exige a inserção de esponjas de hormônio nos traseiros das cabras para acelerar seu ciclo de produção de leite.

Ironicamente, os EUA disseminaram uma viva cultura de apreciação do queijo que parece muito com o que a França já foi. Trocando de lugar com os franceses tradicionais, os queijeiros artesanais americanos se tornaram os queridinhos das casas de alimentos dos EUA. Em agosto passado, na competição anual da Sociedade Americana do Queijo, realizada em Vermont, 900 queijos americanos foram inscritos, comparados com apenas 200 alguns anos atrás.

Tom Johnson, proprietário e gerente da premiada Bingham Hill Cheese Co. em Fort Collins, Colorado, me disse que os queijos de leite cru agradam aos conhecedores por causa de seus "perfis de sabor muito mais complexos". Não há dúvida de que "a pasteurização atenua o sabor", ele disse. Johnson está decepcionado com as tendências de pasteurização na França. "O mundo sempre viu a França como o bastião do sabor e do aroma", ele disse.

Os pessimistas temem que a química acabe destruindo a indústria francesa. Já é possível produzir uma pasta de leite neutra e acrescentar sabores químicos de qualquer tipo para aproximá-lo do artigo real. Os viticultores franceses abrigam os mesmos temores sobre seus processos vinícolas naturais aperfeiçoados há séculos através das gerações.

Outro dia eu parei na minha queijaria local para ver se havia um olhar de desespero no rosto da proprietária. Eu reconheci os vapores no ar, mas reprimi meu reflexo de náusea. Três SUVs pretas gigantescas estavam estacionadas lá fora. Os preços aqui estavam bem acima das ofertas insossas de um supermercado próximo. A gerente estava ansiosa? Sua loja estava cheia de "bobos" ("bourgeois bohêmes" em francês, ou "yuppies" em inglês) disputando suas marcas favoritas. Eu me aproximei dela e disse que tinha ouvido falar que seu negócio estava condenado. "De modo nenhum", ela retrucou com voz aguda. "Pelo menos por enquanto."

A loja, pequena e original, agüentará muito bem enquanto os "bobos" estiverem dispostos a gastar mais por um pouco de tempero em sua vida, ela disse, com um pouquinho de satisfação, eu achei.

4 comentários:

Cristian Fetter Mold disse...

Amigos coloquei dois counters no blog. Um logo acima, estiloso, mostra de onde vem os eventuais visitantes. O outro, lá embaixo é apenas numérico, discreto e útil. Opinem a respeito e depois, se for o caso, o feluc retira estes comentários que obviamente não fazem jus ao seu francófilo post.

Cristian Fetter Mold disse...

Deixa eu lembrar ainda que o blog com o planisfério terrestre (é esse o nome mesmo ???) é atualizado a cada 24 horas. Na verdade ele vai ficando mais bacana com o passar do tempo. Já o segundo vai mostrando acesso por acesso. Comentem e depois a gente elimina estes comentários do post do feluc.

Filipe disse...

Esperei uns dias para comentar para ver o "movimento" ali no planisfério.
Tem visita até da Nova Zelândia! Já a bolinha na Índia mostra que o RPM tem entrado bastante.
Ou seja, objetivo alcançado e counter aprovado.

Cristian Fetter Mold disse...

Isto sem mencionarmos umas visitas que poderiam ser de Damasco ou Tel Aviv, seriam alguns "brimas" de um dos componentes deste blog ???

Incrível, estou pasmo com o resultado até agora.