sexta-feira, 2 de julho de 2010

“É preciso chegar aos 75 para começar a entender alguma coisa”, diz o economista sueco Assar Lindbeck


EL PAÍS, 28/11/2007
por LOLA GALÁN



Assar Lindbeck (nascido em Lulea, Suécia, 1930) é um dos gurus do Estado do bem-estar social, um tema sobre o qual escreveu dezenas de livros e centenas de artigos. Membro do Comitê Nobel durante 25 anos, Lindbeck aproveitou ao máximo, com visitas aos museus do Prado e Thyssen, sua estada em Madri, convidado pela Fundação Carolina, para dar uma aula sobre as perspectivas do modelo social europeu.

El País – Os Nobel de economia não são Nobel de verdade. Foram criados pelo Banco Central sueco em 1969. Alfred Nobel nunca pensou em premiar economistas, apesar de na sua época ter havido grandes figuras nessa disciplina.
Assar Lindbeck – Sim. Pessoas muito inteligentes, com grandes dons de observação, mas na realidade o desenvolvimento da economia, sua transformação em uma ferramenta rigorosa, é coisa da segunda metade do século 20.

EP – O senhor acredita que Karl Marx teria merecido o Nobel?
Lindbeck – É uma pergunta muito difícil. Não sei. Duvido. Ele teve intuições brilhantes. Foi capaz de entender até que ponto a inovação tecnológica estava mudando de maneira drástica a estrutura econômica. Mas foi ingênuo, porque pensou que, depois de introduzidas as inovações e quando a massa do capital tivesse se consolidado, bastaria administrá-lo. Não viu a necessidade constante de inovação e de investimento.

EP – Também se enganou em relação às contradições internas do capitalismo, que continua vivo e com boa saúde.
Lindbeck – Sim, o capitalismo não deixou de se espalhar pelo mundo. Mas tem cada vez mais problemas. Um deles é a falta de disciplina dos mercados financeiros. Muitos atores nesses mercados assumem riscos demais e isso afeta a economia. Foi o que vimos com a crise do mercado imobiliário nos EUA. De vez em quando os mercados criam problemas para o conjunto da economia.

EP – Então há necessidade de mais regulamentação?
Lindbeck – É preciso fazer algo. Creio que seria necessária uma inspeção financeira mais qualificada para ver os riscos e poder intervir a tempo. Há muita gente inteligente inventando instrumentos financeiros cada vez mais sofisticados. O ruim é que não são bastante inteligentes para prevenir seus riscos.

EP – As pessoas comuns se preocupam mais com a manutenção e o desenvolvimento do Estado do bem-estar social. Um tema em que vocês, suecos, foram pioneiros; continuam avançando?
Lindbeck – Não. O modelo sueco não é muito diferente do dos países do norte da Europa. A Espanha, assim como Grécia e Portugal, está um pouco atrás. A única coisa que difere no sistema sueco é sua generosidade na proteção às famílias com filhos. A licença-maternidade [remunerada com pagamento total] é de 14 meses, e há muitas ajudas para pais com filhos pequenos. Mas há países como a França que têm ajudas parecidas.


EP – A Espanha deu passos à frente ultimamente, mas falta muito por fazer. Suponho que poder cuidar dos filhos com mais tranqüilidade tenha um impacto nessa sociedade.
Lindbeck – Sim. É o que propiciou nas sociedades nórdicas que a presença das mulheres no mercado de trabalho alcance quase 80%. Houve outro elemento que tornou isso possível: a proteção que o Estado dá aos idosos. Porque estiveram tradicionalmente aos cuidados das mulheres. Quer dizer, nosso modelo favoreceu a emancipação feminina.

EP – Todo mundo se olha no espelho sueco e considera esse modelo um grande sucesso social.
Lindbeck – Até certo ponto. Neste momento temos um problema: a utilização indevida dos subsídios. Veja que em três países europeus que afirmam oferecer uma excelente cobertura de saúde a seus cidadãos, Holanda, Noruega e Suécia, ocorrem os índices mais elevados de licenças por doença. As pessoas estão saudáveis, mas pedem licença médica. Há uma tremenda indignidade. Na Suécia as pessoas faltam ao trabalho em média 22 dias por ano, quando no Japão a média é de apenas três. Os dois casos são extremos. Mas não é só a licença por enfermidade. No meu país os pais podem faltar ao trabalho quando os filhos estão doentes. Isso é muito bom, mas na prática as pessoas ficam em casa mesmo quando a criança já se recuperou completamente. Toda essa farsa está destruindo o Estado do bem-estar social. As pessoas se aposentam muito cedo em muitos países europeus, vão para casa com 55 anos ou menos; outros ficam no seguro-desemprego mesmo que consigam obter um trabalho. E as pessoas consideram isso normal. Fizemos uma pesquisa há pouco tempo para saber se os cidadãos achavam normal pedir licença por doença sem estar doentes, e 60% dos pesquisados disseram que sim.

EP – O que significa que o sistema não funciona quando não há um compromisso real das pessoas de defendê-lo. Um compromisso que existia no início.
Lindbeck – Sabemos por que isso acontece. Quando se criou o Estado do bem-estar social, depois da Segunda Guerra Mundial, as pessoas estavam acostumadas a trabalhar para se manter. Só recorriam à ajuda em caso de necessidade, porque as leis sociais assim o ditavam. Com o tempo essas leis foram sendo relaxadas. As pessoas começaram a considerar correto viver de subsídios. Aí passaram a enganar o Estado do bem-estar. É o que aconteceu nos últimos dez ou 15 anos na Suécia.


EP – Por que o senhor acredita que isso ocorre? Tem algo a ver com a imigração?
Lindbeck – Não tem nada a ver, absolutamente. O que acontece é que os subsídios são muito altos em relação aos salários. Em muitos casos a diferença entre o seguro-desemprego e o salário é de apenas 10%. Às vezes não há diferença nenhuma.


EP – Então o que se pode fazer?
Lindbeck – Há soluções. Uma é reduzir os subsídios; outra, aumentar os controles. Mas isso é muito difícil, porque a maioria dos doentes tem sintomas que nenhum médico pode comprovar: 60% das licenças são por dores nas costas e por depressão. Uma solução que estão utilizando os britânicos e americanos é pagar subsídios a quem trabalha, isto é, incentivar quem trabalha.


EP – E as pessoas que realmente precisam?
Lindbeck – É preciso fazer alguma coisa, porque estamos em uma situação verdadeiramente crítica. Na Suécia fizemos estudos e há regiões em que as pessoas faltam ao trabalho em média três dias por ano, e outras, com os mesmos níveis de atendimento de saúde, em que faltam em média 54 dias. Sem que haja qualquer diferença na saúde das pessoas.


EP – A Suécia decidiu ficar fora do euro. Como está sendo?
Lindbeck – Mais cedo ou mais tarde entraremos na União Monetária Européia, mas não me parece catastrófico estar fora. Seremos admitidos quando quisermos. O maior problema é que nossas exportações não aumentaram tanto quanto a média européia nos últimos cinco anos, mas as exportações são 40% do PIB.


EP – Aos 77 anos o senhor continua sendo professor na Universidade de Estocolmo. O que acha da aposentadoria aos 65 anos?
Lindbeck – Me parece uma loucura. A expectativa de vida aumentou muito. E os jovens, pelo menos na Suécia, não se incorporam ao mercado de trabalho aos 16 anos como antes. Agora os estudantes não trabalham antes dos 27. A vida produtiva é curta demais, e isso custa caríssimo. Além disso, como eu digo, é preciso chegar aos 75 para começar a entender alguma coisa.

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