quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A globalização da censura.

Yhe New York Times
16/09/2009


Anne Applebaum


Item um: Quando aparecer nos próximos meses, folheie cuidadosamente o novo livro da Yale University Press, "The Cartoons That Shook the World" (Os Cartuns que Abalaram o Mundo). É um relato acadêmico da controvérsia que cercou a publicação de 12 cartuns com o profeta Maomé por um jornal dinamarquês em 2005. A autora, Jytte Klausen, argumenta, entre outras coisas, que a controvérsia foi manipulada por imames dinamarqueses que mostraram aos seus seguidores imagens sexualmente ofensivas e falsas de Maomé junto com as verdadeiras, que não eram inerentemente ofensivas. Ela consultou-se com vários acadêmicos muçulmanos que concordaram. Ainda assim, os desenhos não foram impressos no livro.



O relato acadêmico da controvérsia que cercou a publicação dos cartuns de Maomé por um jornal dinamarquês não considera as imagens ofensivas. Mesmo assim, elas não foram reimpressas no livro

Item dois: Pegue uma cópia da edição americana da revista GQ de setembro. Lá dentro, enterrado, você encontrará um artigo chamado "O lado negro de Vladimir Putin no poder", de Scott Anderson. O artigo, baseado em extensa investigação, argumenta que os serviços de segurança russos ajudaram a criar uma série de explosões em Moscou em 2000 que foram atribuídas a terroristas tchetchenos na época. Leia-o cuidadosamente, pois você não vai encontrar este artigo na edição russa da GQ. Até este momento, você tampouco encontrará o artigo no site da GQ. A Conde Nast, empresa proprietária da GQ, ordenou que todas suas revistas e afiliadas no mundo evitassem mencionar ou promover o artigo.Item três: Se o seu conhecimento de caracteres chineses permitir, digite a palavra Tiananmen no Google.cn. Informantes confiáveis (já que não sei chinês) me dizem que sua pesquisa não vai resultar em quase nenhuma informação sobre o assunto, tampouco sobre Taiwan, Tibete ou democracia. Não é um acidente: em 2006, o Google concordou com uma pequena dose de censura na China, em troca da possibilidade de operar no país.Esses três incidentes não são idênticos. A editora de Yale recusou-se a imprimir os cartuns porque a universidade teme violência em seu campus como retaliação. A Conde Nast recusou-se a promover o artigo sobre o serviço secreto russo porque temeu perder anunciantes russos. A Google impede que seus usuários façam uma busca sobre Tiananmen e outros assuntos tabu porque a empresa quer competir por uma fatia do gigantesco mercado chinês com os motores de busca chineses. As três empresas exibem graus variados de remorso, desde a Conde Nast (nenhum) até Yale (muito) e a Google (ambivalente: o fundador Sergey Brin inicialmente argumentou que a empresa ao menos traria alguma informação para a China, mesmo que incompleta).


Ainda assim, as três histórias levam a uma conclusão: de diferentes formas, o governo russo, o governo chinês e os anônimos terroristas islâmicos agora são capazes de colocar controles de fato sobre empresas americanas - algo que teria sido impensável há uma década. Em um mundo que parece mais perigoso e menos lucrativo do que no passado, a ganância ou o medo se provaram mais fortes do que o compromisso dessas empresas com a liberdade de expressão.Ao cederem à pressão, não tornaram o mundo um lugar mais seguro para eles ou qualquer outro. A submissão da Google à censura chinesa em 2006 não impediu o governo chinês de continuar a perseguir a empresa, alegadamente por distribuir pornografia. Pelo contrário, talvez tenha estimulado a China a tentar forçar recentemente empresas a colocarem filtros em todos os computadores vendidos no país.

Pela mesma moeda, a omissão da Conde Nast apenas vai estimular empresas russas - muitas das quais são de fato estatais - a exercerem pressão sobre seus parceiros no Ocidente, tornando mais difícil para outros publicarem material controverso sobre a Rússia no futuro. E o fato da editora de Yale, uma das mais inovadoras do país, não publicar os cartuns dinamarqueses, apenas torna mais difícil para outros publicarem-nos. (Declaração de interesse: estou editando uma antologia para a editora e há muito admiro seu compromisso de abrir os arquivos soviéticos.).

De fato, cada vez que uma empresa americana cede à pressão iliberal, o ambiente piora para todo mundo. Cada alteração feita para aplacar a censura de um grupo ou governo torna esse grupo ou governo mais forte. O que parece um pequeno lapso de integridade pode ficar bem maior no futuro. Todas essas empresas estão tornando mais difícil para os outros continuarem a falar e a publicar livremente em torno do mundo.

Não há lei ou édito que possa forçar essas empresas, ou qualquer empresa americana, a cumprirem os princípios de liberdade de imprensa no exterior. Mas ao menos é possível embaraçá-las em casa. Por isso esta coluna.

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