segunda-feira, 19 de maio de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Falácias sobre a luta armada na ditadura
MARCO ANTONIO VILLA

Militantes de grupos de luta armada criaram um discurso eficaz. Quem questiona "vira" adepto da ditadura. Assim, evitam o debate

A LUTA armada, de tempos em tempos, reaparece no noticiário. Nos últimos anos, foi se consolidando uma versão da história de que os guerrilheiros combateram a ditadura em defesa da liberdade. Os militares teriam voltado para os quartéis graças às suas heróicas ações. Em um país sem memória, é muito fácil reescrever a história. É urgente enfrentarmos essa falácia. A luta armada não passou de ações isoladas de assaltos a bancos, seqüestros, ataques a instalações militares e só. Apoio popular? Nenhum. O regime militar acabou por outras razões.
Argumentam que não havia outro meio de resistir à ditadura, a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos dos grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados logo depois, quando ainda havia espaço democrático (basta ver a ampla atividade cultural de 1964-1968). Ou seja, a opção pela luta armada, o desprezo pela luta política e pela participação no sistema político e a simpatia pelo foquismo guevarista antecedem o AI-5 (dezembro de 1968), quando, de fato, houve o fechamento do regime.
O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou usado pela extrema-direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva.
Todos os grupos de luta armada defendiam a ditadura do proletariado. As eventuais menções à democracia estavam ligadas à "fase burguesa da revolução". Uma espécie de caminho penoso, uma concessão momentânea rumo à ditadura de partido único.
Conceder-lhes o estatuto histórico de principais responsáveis pela derrocada do regime militar é um absurdo. A luta pela democracia foi travada nos bairros pelos movimentos populares, na defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos. Teve na Igreja Católica um importante aliado, assim como entre os intelectuais, que protestaram contra a censura. E o MDB, nada fez? E seus militantes e parlamentares que foram perseguidos? E os cassados?
Quem contribuiu mais para a restauração da democracia: o articulador de um ato terrorista ou o deputado federal emedebista Lisâneas Maciel, defensor dos direitos humanos, que acabou sendo cassado pelo regime militar em 1976? A ação do MDB, especialmente dos parlamentares da "ala autêntica", precisa ser relembrada. Não foi nada fácil ser oposição nas eleições na década de 1970.
Os militantes dos grupos de luta armada construíram um discurso eficaz. Quem questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a pluralidade, enfim, a democracia. Mais: transformam a discussão política em questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desconsideração dos sofrimentos da prisão. Não há relação entre uma coisa e outra: criticar a luta armada não legitima o terrorismo de Estado.
Precisamos romper o círculo de ferro construído, ainda em 1964, pelos inimigos da democracia, tanto à esquerda como à direita. Não podemos ser reféns, historicamente falando, daqueles que transformaram o adversário, em inimigo; o espaço da política, em espaço de guerra.
Um bom caminho para o país seria a abertura dos arquivos do regime militar. Dessa forma, tanto a ação contrária ao regime como a dos "defensores da ordem" poderiam ser estudadas, debatidas e analisadas. Parece, porém, que o governo não quer. Optou por uma espécie de "cala-boca" financeiro. Rentável, é verdade.
Injusto, também é verdade. Tanto pelo pagamento de indenizações milionárias a privilegiados como pelo abandono de centenas de perseguidos que até hoje não receberam nenhuma compensação. É fundamental não só rever as indenizações já aprovadas como estabelecer critérios rigorosos para os próximos processos. Enfim, precisamos romper os tabus construídos nas últimas quatro décadas: criticar a luta armada não é apoiar a tortura, assim como atacar a selvagem repressão do regime militar não é defender o terrorismo.
O pagamento das indenizações não pode servir como cortina de fumaça para encobrir a história do Brasil. Por que o governo teme a abertura dos arquivos? Abrir os arquivos não significa revanchismo ou coisa que o valha.
O desinteresse do governo pelo tema é tão grande que nem sequer sabe onde estão os arquivos das Forças Armadas e dos órgãos civis de repressão.
Mantê-los fechados só aumenta os boatos e as versões fantasiosas.



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MARCO ANTONIO VILLA, 51, é professor de história do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e autor, entre outros livros, de "Jango, um perfil".

4 comentários:

Felix Cattus disse...

O artigo beira a perfeição, só faltou dizer expressamente que os terroristas aliados a Genro queriam instituir uma ditadura muito pior que a dos militares (o que leva à conclusão que, se eles estavam lutando contra a ditadura deveriam estar lutando em Cuba e não no Brasil)e que as declarações de Tarso Genro comprovam que eles não mudaram nada, ainda se orgulham de terem praticado terrorismo para poder transformar o Brasil em um arquipélago Gulag.

Filipe disse...

"We Had to Destroy the Village to Save It".
Frase atribuída a um major americano pelo jornalista Peter Arnett, para explicar a destruição de uma vila na província de Ben Tre, Vietnã.

Essa é a lógica do golpe de 64: destruí-se um governo constitucional e democraticamente eleito para supostamente salvar o país de uma inexistente "ameaça" comunista.

feluc disse...

"Essa é a lógica do golpe de 64: destruí-se um governo constitucional e democraticamente eleito para supostamente salvar o país de uma inexistente "ameaça" comunista".

Filipe,

com todo respeito, essa declaração só pode ser provocação.
Quer dizer que o durante o Governo Goulart os esquerdistas não queiram a revolução. Acreditavam em eleições?
Não existiu ouro de Moscou?
Estou falando de antes de 1964!
Quer dizer que o Governo Goulart, legítimo, diga-se de passagem, não estava botando fogo no sistema político, colocando os praças contra os oficiais?!
Estava tudo bem e os milicos reacionários, só de sacanagem,
deram um golpe sem mais nem menos !
FDPs!
Filipe, eu não defendo ditadura de ninguém, muito menos tortura, mas dizer o que vc afirmou acima é ABSURDO!

Cristian Fetter Mold disse...

Principal organização da
sociedade civil ligada à questão da abertura dos
arquivos, fundada em 1985 por iniciativa de ex-presos políticos
torturados durante o regime militar e por familiares de mortos e
desaparecidos políticos, o Grupo Tortura Nunca Mais não
se empolga com a decisão do governo. “Os arquivos que
serão disponibilizados têm pouco valor significativo para
o objetivo de recuperar a história”, entende a presidente
do Tortura Nunca Mais, Elizabeth Silveira e Silva. Ela lembra que os
documentos sobre a Guerrilha do Araguaia hoje estão
classificados como ultra-secretos e, segundo ela, deverão
continuar assim. “É mais um jogo de cena. Uma
artimanha”, denunciou.

Extraído de http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=542&Itemid=2